Aquilo que deixamos de dizer...

Há uns dias fui a um restaurante, onde fui muito bem atendida... a comida era boa e a bebida ainda melhor. Depois da refeição desloquei-me sorrateiramente até ao WC, para fazer o tipo de coisas que mais ninguém puderá fazer por mim. Tal foi o meu espanto, quando me fechei no cubículo minúsculo e dei de caras, com uma porta, que mais parecia as portas das casas de banho de liceu, coberta de frases, do tipo:
“Ana love’s Ricardo”, “Joni sou tua para sempre”, “Abaixo os porcos fascistas”, “A Gina esteve aqui” (acredito).
Para além desta vasta panóplia de literatura cultural, temos ainda uma tentativa “kitch” de voltar às pinturas rupestres (das cavernas), de traçado grosseiro, com pincelada da grossa (no WC do lado).
Foi por estas alturas, que comecei a indagar o “porquê” de tal crueldade visual.
Seria para que o “Ricardo e o Joni” vissem o que a “Ana e a Sua(do Joni)” escreveram? Seria pela Arte? Seria para nos torturar?
Depois de pensar durante alguns minutos, cheguei à conclusão, à qual já muitos chegaram.
Aquilo não foi mais do que um desabafo, um descargo de consciência... um “se-não-te-digo-pessoalmente-escrevo-nas-portas-das-casas-de-banho -principalmente-onde-tenho-a-certeza-que-nunca-vais-ler” e assim vai o Mundo.
Calamos... calamo-nos num silêncio ensurdecedor, enquanto a nossa alma grita, sem ser ouvida.
Quantas vezes deixamos de dizer... pura e simplesmente... deixamos de dizer aquilo que tanto queríamos dizer a alguém... um “vai à merda!”, um “adoro-te”, um “não te suporto”, um “amo-te”, um “jamais te esquecerei”.
Possivelmente, dá para contar pelos dedos e ainda sobram dedos, para tapar os ouvidos e os olhos.
Esse medo que atropela e se apodera das cordas vocais, engasga-nos e sufoca-nos na nossa própria demência, na nossa incapacidade de transmitir, de comunicar, de mostrar e expressar os nossos sentimentos.
Se eles existem, têm de se mostrar. Desde pequenina que a minha avó me diz:
“Minha querida o que é bom é para se mostrar”; tudo bem que ela não se referia aos sentimentos, mas talvez, se adapte a expressão na perfeição.
Fazem-se rodeios... anda-se em círculos... à espera que alguém se descaia e este jogo, pode durar uma vida inteira, sem razão aparente para que aconteça.
Tropecei muitas vezes, quando era pequenina... (acho que tinha o pé chato). Depois curei-me dos pés e fiquei “chata”, depois deixei de ser “chata”, para ser outra coisa qualquer.
Tudo isto para dizer, que o medo não nos leva a lado nenhum e que é bom dizermos aos outros o que eles valem para nós. Apesar de darmos alguns trambolhões pelo caminho, isso só faz com que nos levantemos mais fortes (sempre mais cépticos, infelizmente)... mas muito mais fortes.
Em vez de imaginarem que podem perder tudo, pensem que podem ganhar alguma coisa!

Comentários

Unknown disse…
pois é...e as desgraçadas das portas é que sofrem...
hihihhi
estás viva? ou nem por isso?

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