Respirar no tempo...

Tive de vir a correr até à janela, para respirar!...
Respirei fundo como se fosse a última vez... peguei nas chaves do carro e saí de casa. Saí sem medo e decidida a decidir o que quer que houvesse para decidir.
Dentro de mim, começava agora a expandir-se uma força fora do comum.
Enfrentei a falta de luz, do avançar das horas, a falta de paciência, que de natureza já não é muita e a falta tremenda que me fazes, nos milésimos de segundo que formam a minha vida.
O dia de hoje começou mal! Mal, com os canos da cozinha... péssimo, com o meu pai a dizer-me que não quer voltar a pôr-me a vista em cima, devido às minhas escolhas para o futuro e como se não bastasse, o meu cão Cassy Jones, apareceu envenenado no jardim da minha casa. Tais acontecimentos, fizeram com que eu tomasse a decisão de faltar ao trabalho e de parar de esconder os meus sentimentos, antes que seja tarde demais.
Saí de casa a 1000km/h, não fosse a noite ter pressa demais, para se ir embora.
A condução estava um pouco acelerada, mas logo me cortaram o prazer. Os condutores que vinham em sentido contrário, fizeram sinais de luzes, o que quer dizer que a polícia anda por aí. Passei de imediato para a faixa da direita e coloquei a minha cara de santa, que resultou na perfeição. Mal fiz a curva e os deixei de ver pelo retrovisor, acelerei. Invadiu-me um medo terrível, do tempo me ter pregado uma rasteira e não estava disposta a deixar isso acontecer.
Parei o carro. Estou num estado de nervos, fora do comum. Fiquei ali, durante alguns minutos, apenas para me acalmar. Saí do carro e dirigi-me para a porta do prédio amarelo. Toquei à campaínha do 6ºC, pelo menos umas duas vezes.
- Quem é?
- João...é a Margarida. Preciso de falar contigo, posso subir?
- Vou abrir a porta.
A conversa normalmente inicia-se assim... um tocar de campaínha e um “Vou abrir a porta.”. Da última vez, não foi excepção, apenas que fui eu a abrir a porta e erradamente, fui eu a fechá-la. Já lá vão duas eternas semanas.
Meti-me no elevador, enquanto ía treinando o discurso, para o espelho.
6ª andar, a porta já estava entreaberta. Senti um arrepio na espinha.
- João?!
- Vem! Estou na cozinha.
- Olá!
- Boa noite! Estou a fazer o jantar. Queres jantar?
- Não tenho muita fome, mas faço-te companhia.
- Como vai a tua vida?
- Tem dias, mas também não vim aqui, para te contar as minhas desgraças.
- Então vieste para quê?
- Antes de mais, quero pedir-te desculpa, pela forma como reagi da última vez às tuas palavras. Se há pessoa que não merece...és tu!
O João, esqueceu o jantar por momentos. Limitou-se a baixar o lume e a ouvir-me.
- Tive muito tempo para pensar, durante estas duas semanas. Tempo demais...talvez...
- Depende no que pensaste! - saiu-lhe disparado, sem sequer pedir licença.
Fui apressada até à sala, abrir a janela e respirar fundo.
Ele já sabia, que isto só acontecia, quando estava aterrorizada, com a hipótese de ter de expressar algum tipo de sentimento.
Noutras ocasiões, disse-me que isso resumia-se a medo de rejeição, como se esse esclarecimento, viesse aliviar de alguma forma o pânico que me invadia nesses momentos.
Foi ter comigo à sala e passou a mão pelo meu ombro.
- No que é que pensaste? Podes dizer-me...
- Não foi só no que eu pensei... Não deste notícias nestas duas semanas e isso foi muito difícil para mim. Pensei que nunca mais quisesses falar comigo e isso é algo, que jamais suportaria.
- Mas eu estou aqui, não estou? E tu também estás!
Permaneci de costas, por mais alguns instantes. Aproveitei para respirar, mais umas quantas vezes, até que me virei de frente para o João. Tinha de o olhar nos olhos para lhe dizer o que tinha para dizer.
- Desculpa-me mais uma vez, pela última conversa.
- Estás desculpada. Sempre estiveste!
- Estas duas semanas, serviram para confirmar a minha suspeita. Eu estou apaixonada por ti! Só espero não ter chegado tarde, mas sabes como sou...não consegui...
O João arranjou logo forma de me calar. Calámo-nos durante algum tempo.
Com isto, não voltei a precisar de ir a correr para a janela para respirar, apenas quando me queria despedir pela milésima vez, porque a saudade era imediata e avassaladora.
Existiu uma tentativa frustrada do João, no concerto dos canos da cozinha. Acabámos por chamar um canalizador.
Fui a casa dos meus pais e disse ao meu pai, que se ele quisesse continuar aborrecido com as minhas escolhas, que o fizesse, mas que jamais se esquecesse que a filha dele o ama muito. Esta revelação desencadeou uma choradeira naquela casa, mas fez com que a paz regressasse à família. Quanto ao meu querido Cassy Jones, enterrei-o no jardim, perto de uma árvore, onde ele adorava estar deitado à sombra e com uma pedra acabei por gravar na madeira “Aqui descansa Cassy Jones, o meu melhor amigo.”.
O tempo não é nosso escravo, mas também não somos seus escravos.
Tudo o que tem de acontecer, acaba por acontecer, mais cedo ou mais tarde.

A todos:
Desculpem a demora. Espero que gostem do regresso! :)
Parece-me que fui escrava do tempo, por algum tempo.

Comentários

Unknown disse…
O tempo pode perder-se entre as nossas mãos, mas não é isso que nos mata... mas também nos pode moer

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