O mar de Susan

Ano de 1820 - Outono - Inglaterra - cidade de Carlisle

É noite cerrada... está Lua cheia e um suave nevoeiro.
Espero-te à janela, de onde consigo ver o porto, onde atracas o teu barco.
Mal começas a aproximar-te de terra, pegas na tua lanterna e fazes o que combinámos.
Acendes e apagas três vezes de seguida, para que saiba que és tu.
Porque demoras tanto?!
Começo a ficar preocupada...ainda para mais, esta manhã dispensou o resto da tripulação. Disse-lhes para passarem o dia com as famílias, que tinha coisas para fazer.
Pelo menos foi o que me disse Sasha, o cozinheiro que pertence à tripulação.
Está a ficar tarde... tenho de arranjar forma de sair de casa, sem que me vejam e sem fazer baralho.
Pela janela de um dos quartos, com alguma dificuldade, consegui descer.
Isto de ter de andar de vestido até aos pés, não é fácil. Já basta ter de suster a respiração vezes sem conta durante o dia, para não morrer sufocada com o corpete.
Fui a correr até ao porto, para saber notícias tuas.
Encontrei o Mr. Adams, que por sua vez passeava a sua garrafa de estimação.
Sorriu-me quando lhe perguntei se me sabia dar notícias tuas, foi então que percebi, que dali não podia esperar nada, a não ser um hálito terrível.
Continuei a andar em direcção ao porto. Estas ruas à noite, dão-me arrepios. Em cada beco, só se ouvem os ecos dos bêbedos e das protitutas.
Cheguei ao porto, mas nele não há viv’alma a quem perguntar o que quer que seja.
Sentei-me durante algumas horas, apenas a contemplar o mar, na esperança que aparecesses, como sempre.
Passaram horas a fio e nada, foi então que resolvi ir até ao armazém do meu pai, buscar algumas coisas que faziam falta para a viagem.
O meu pai é dono de uma frota de navios. Desde pequenina que me habituei aos barcos. Não será concerteza uma dificuldade. Não consigo ficar de braços cruzados.
Peguei nas coisas que me faziam falta, comida e água e escolhi um dos barcos que estavam no porto... o mais pequeno, mesmo assim tão grande, apenas para uma pessoa.
Soltei as cordas que seguravam o barco ao cais e segui em direcção à luz, que a Lua reflectia no mar, desenhando um caminho.
Morria de medo que te tivesse acontecido alguma coisa, mas quando o meu pai souber o que fiz, vai matar-me por todas as razões.
Neste momento essa é a menor das minhas preocupações. Tenho de me concentrar para não me perder, no meio deste nevoeiro.
À minha frente o nevoeiro intensifica-se...
Não consigo ver nada!
Deixei o leme do barco por alguns instantes e desloquei-me à proa, de onde acendi uma lanterna, para tentar ver o que estava à minha frente e se conseguia encontrar o barco do meu amor... mas foi em vão.
Voltei para o leme e consultei a bússula que me foi dada pelo meu pai, há seis anos, quando fiz os 18 e verifiquei que algo me tinha feito mudar de direcção.
Olho em direcção ao céu e eis que sinto no rosto uma gota e de repente começa a chover com intensidade. Completamente encharcada, perdida e desesperada, recolho-me no interior do barco à espera que a tempestade passe.
Entretanto o Peter chega ao porto, onde deixa o seu barco atracado. Achou estranho faltar um barco na frota do meu pai, mas não ligou e foi para casa.
Como chegou mais tarde do que é habitual, não foi ter comigo... calculou que a esta hora já estivesse a dormir, mas estava longe da verdade.
Eu estava no meio do mar, à deriva, enquanto a tempestade lá fora fazia os seus estragos.
Os pequenos objectos que estavam dentro do barco, já estavam todos desarrumados... havia cacos de vidro pelo chão.
Tentei proteger-me para não me magoar, enquanto o barco baloiçava, cada vez mais, mas lembro-me de algo me bater na cabeça, antes de desmaiar.
Desmaiada e estendida no meio do barco, a sangrar das feridas da viagem atribulada, estava perdida e ninguém sabia.
A tempestade durou a noite toda e empurrou o barco para bem longe.
O Sol nasce agora e na cidade a vida do dia-a-dia já começou.
Em minha casa já todos acordaram. A Patty (a governanta, que também foi minha ama) vai ao meu quarto, como todos os dias acordar-me, mas...
- Menina Susaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaan!!! - grita desesperada, correndo em direcção ao salão.
- Mas o que se passa Patty? - perguntou a minha mãe, levantando-se do cadeirão forrado com veludo verde.
Patty colocou a mão no peito, enquanto lhe vinham as lágrimas aos olhos.
- A menina Susan, é a menina Susan... ela não está no quarto, a janela está aberta e a cama não foi desfeita.
O meu pai levantou-se, imediatamente, tentou esconder a preocupação... mandou os empregados procurarem-me por toda a casa e nas imediações da mesma.
Fizeram todos, o que lhes pediu, mas sem sucesso... não me encontraram.
O meu pai disse à minha mãe para se acalmar, que dentro de instantes me traria para casa. Vestiu o casaco, colocou o chapéu e saiu em direcção à cidade.
Na cidade perguntou a todos se me tinham visto.
O meu misterioso desaparecimento tornou-se o assunto do dia.
A notícia espalhou-se a uma velocidade estrondosa, até que chegou aos ouvidos do Peter, que ficou sem reacção. Não queria acreditar, como é que a sua Susan tinha desaparecido sem que ninguém do “forte” tivesse dado conta.
Foi ter com o meu pai e perguntou se ele tinha pedido a alguém para sair de madrugada com um dos seus barcos, que não estava atracado no cais.
Foi então que os dois se aperceberam, que o meu desaparecimento e o facto de faltar um barco estavam interligados.
O meu pai pediu a vários dos seus homens para irem nos barcos à minha procura e ele iria num deles também.
O Peter foi de imediato para o seu barco e começou a lembrar-se da tempestade que viu no mar, quando ele já estava a chegar a terra.
Agora era ele que morria de preocupação.
Entretanto no barco, abri os olhos lentamente... Tenho o corpo dorido, cheio de pequenos cortes, mas o sangue já secou.
Levanto-me, apoiando-me num banco. Passo a mão pelo cabelo e dou um jeito na saia, que está completamente amarrotada e um pouco rasgada.
Estou um farrapo!
Vou até lá fora.
O barco ficou com as velas muito danificadas, mas pelo menos não afundou.
Não o consigo mover. Acho que está preso num banco de areia.
E o Peter... será que ele está bem?!...
Como é que vou sair daqui?!
A bússula não funciona e não faço ideia onde estou.
Entretanto, algures no meio do mar, andava o meu pai e o meu querido Peter à minha procura.
O Peter não largava os binóculos. Fazia círculos em torno de si mesmo, tentando vislumbrar no horizonte, uma vela que fosse do meu barco.
No seu olhar transparecia a desolação e o desespero que o invadiam, à medida que me procurava naquele mar imenso.
Noutro barco, o meu pai tentava manter a calma e conter o nervosismo e preocupação, mas o seu coração estava em sobressalto. Sentia que tinha falhado na sua protecção. Considerava-se culpado e isso magoava-o. Afinal, eu sou a sua única filha.
Eu sinto-me cansada! O sol começa a aquecer e não encontro a mala, que trouxe do armazém do meu pai.
Possivelmente, no meio de tanta agitação, acabou por cair do barco.
Estou cheia de sede e de fome.
Tenho uma ferida no tornozelo, que me está a dar umas dores horríveis e está com péssimo aspecto. Deve ter sido quando desmaiei.
Rasgo um pouco de tecido da saia para colocar em volta da ferida.
Dou um nó...
- Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!! - até me vieram as lágrimas aos olhos. - Que dor!
As horas passam e quando olho em volta, só vejo mar.
Temo que não me encontrem. Não sei quanto mais tempo irei aguentar... Estou muito fraca.
O céu começa a ficar côr de laranja e não avisto nenhum barco, até que me lembrei, que o meu pai, costuma ter nos barcos uns foguetes de SOS, que um cientista da cidade fabricou especialmente para ele. Com alguma dificuldade em movimentar-me, vou tentar encontrá-los.
Encontrei a caixa que tem o diário de bordo e um mapa e...
Voilà!... os foguetes e uns fósforos.
Acendo e lanço o foguete, da proa do barco. Fecho os olhos e faço figas para que o vejam.
Com o pôr-do-sol, as esperanças de me encontrarem hoje, vão-se dissipando lentamente, até que... bem longe, comecei a ver o que se parece com um barco.
Nem quero acreditar!!!
No outro barco, era Peter, que agarrado aos binóculos, esboçou um sorriso de felicidade e ao mesmo tempo de receio, uma vez que não sabia o que iria encontrar no barco.
Correu em direcção ao leme, para virar o barco na direcção certa e à medida que se aproximava do meu barco, o seu coração batia cada vez mais acelerado.
Eu não me consigo levantar... pousar o pé no chão é demasiado doloroso. Queria ir até à proa, acenar para o barco que me é tão familiar... Aquele que espero todas as noites, mas era uma viagem impossível naquele momento.
Peter espera que o seu barco fique bem próximo do meu para lançar a âncora.
Entrou à minha procura e acabou por me encontrar.
Estou inconsciente... perdi os sentidos e não dei por nada.
Alguém chama o meu nome. O meu querido Peter.
Peter ficou muito assustado quando me viu caída no meio do barco.
Passou-me a mão no rosto e aconchegou-me junto ao seu peito, enquanto chama o meu nome.
Com a água que sempre traz no seu cantil, molha-me gentilmente a face e aos poucos vou recuperando os sentidos.
Abro os olhos e Peter abraça-me de imediato com força.
- Peter preciso de água por favor! - pedi-lhe como se fosse um caso de vida ou de morte.
Matei a sede e deixei-me ficar nos seus braços por um bom tempo.
Simplesmente não queria sair dali, onde me sentia segura.
A partir daqui deu-se o regresso à cidade...
O reencontro emotivo com os meus pais e com a Patty.
O meu pai deixou-se de preconceitos e agradeceu ao Peter por me ter salvo e aos poucos foi-se habituando à ideia de iríamos ficar juntos e que eu jamais iria abdicar do meu amor, pelas suas ideias pré-concebidas, altamente egoístas.
Eu e o meu amor casámo-nos na Primavera seguinte e fomos felizes para sempre.
Pelo menos enquanto vivemos...



ATENÇÃO: Esta é uma história com um final feliz...
É portanto, algo diferente da realidade que nos rodeia.
Os mais sensíveis que me desculpem, algum cepticismo e uma pitada de cinismo.
Não me apeteceu matar ninguém. Ahahaha!

Ando numa onda de paz e amor... muito AMOR! ;)

P.S.- Oiçam a música que coloquei especialmente para esta história... é fantástica!

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