Sentido(s)

Sabes do que tenho saudades?
Do estado de inocência de quando somos crianças... em que ainda vivemos entre os dois mundos... o da realidade e o da fantasia, sem nos deixarmos afectar em demasia, quer por um, quer por outro.
Saudades da despreocupação, da descontracção, da ingenuidade infantil, que nos mantinha à margem de muitas dores, que hoje se cravam na pele e nos tomam conta dos pulmões... e não nos deixam respirar.
O estado de coma, que é ter consciência de que se sente e do que se sente, sem que possamos lutar contra isso e vencer.
É uma luta perdida de início e desigual, que nos vai mastigando lentamente, para nos cuspir no final.
Preocupa-me de alguma forma, esta esfrega de sal, que teimamos em colocar nas feridas profundas, para gritarmos cada vez mais alto, com a esperança que alguém oiça.
Somos todos surdos para os outros... os nossos ouvidos só ouvem as palavras que proferimos, para interiorizarmos o nosso egoísmo, numa vasta e ampliada imagem do nosso umbigo, que não é nada mais do que, um buraco... um vazio, tão fundo e escuro, como nós...
Largamos lágrimas... deixamo-las escorrer descontroladas, pelos rostos gastos, pelos sorrisos amarelos, do cinismo com que encaramos um Mundo ao qual não pertencemos ou gostaríamos de não pertencer.
Lágrimas que julgamos lavarem-nos a alma... libertarem-nos de nós e dos nossos sentimentos, mas que apenas servem para nos acorrentarem aos nossos lamentos.
Descarregamos nos outros as nossas frustrações... o mal que nos fazem e que vamos recalcando, num cantinho escondido do cérebro e do coração, até ao dia, em que fazemos o pino e pomos a descoberto as injustiças e toda a dor que guardámos para fugir da loucura.
Pisamos quem amamos, para nos sentirmos maiores... usamos e abusamos sem piedade e exigimos que façam o mesmo connosco, porque só conseguimos viver assim... Matamos lentamente quem ousa amar-nos mais do que devia, pelo medo que isso causa em nós... a inquietude e incompreensão, perante um sentimento que sabemos enorme e que tememos, não estar à altura de tamanha dádiva.
Preferimos um ódio profundo a um amor incondicional.
O ódio é de fácil compreensão e o amor não!... causa estranheza e indiferença... magoa só de se falar nele...
Somos fugitivos e ao mesmo tempo caçadores furtivos...
“- Consigo sentir a lâmina afiada da faca que me apontas ao peito, na direcção do coração, Amor!”
Num único gesto punjante e sem pestanejar, cravamos a lâmina afiada no corpo... na carne crua, daquele que é para nós ... o que nos completa e nos satisfaz e fazêmo-lo, tão somente, porque não permitimos que exista alguém que ponha em causa a nossa independência e auto-suficiência... a natureza de indivíduo... do “eu”.
Faz sem dúvida muita falta, acordar deste coma!

Comentários

MIG-L disse…
Gostei do teu post e agradeço mto a tua sinceridade. Teres-te baseado em mim, para dizeres algo tão bonito e verdadeiro, foi fantástico.
A escrita, é bem diferente da minha, mas o conteúdo igual e dificilmente, o conseguiria fazer tão completo. Um grd beijinho.

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