Histórias de uma escritora

I parte - "Caminhava apressada"

Caminhava apressada pelas ruas movimentadas da cidade, quando de repente tropeço em algo e desamparada, num instante, fico estendida no chão, molhado e frio.
Os meus joelhos cederam e a gravidade, é francamente, fascinante.
Pelo chão, encontravam-se espalhados, uma série de objectos que, prontamente saltaram da mala e mais de duas centenas de folhas, do livro que acabei de escrever.
Ia à editora entrega-lo, depois de os ter feito esperar um bocadinho mais do que queriam.
A dez minutos da hora combinada, fiquei estendida no chão, dorida da queda e revoltada com a vida, enquanto observava as folhas que compunham a minha história a esvoaçarem sem direcção, numa cruel dança.
No meu olhar espelha-se o desalento e a inconformidade do que se tinha passado, nos pequenos instantes antes deste raciocínio.
Procuro o telemóvel no meio da confusão em que se tinham transformado as minhas coisas e não o encontro.
Queria avisar o Gustavo (o meu editor), do que tinha sucedido e que teria de ir a casa imprimir novamente o livro, para o entregar mais tarde.
Bem sei que ele, costuma stressar com atrasos e uma das qualidades que sempre apreciou em mim, foi a minha pontualidade inglesa.
Mas hoje, a minha pontualidade já não será a mesma e o Universo não está a ajudar.
É o típico dia em que não se deveria sair da cama. Devia existir um aparelho magicamente construído que nos avisasse, logo pela manhã, sempre que o dia se fosse, inevitavelmente, transformar num desastre.
Levanto-me lentamente do chão, enquanto me vou organizando... o meu look intelectual chique, tinha-se transformado, em intelectual desleixado (em queda) e amarrotado.
Apanho os objectos do chão e vou atirando-os de forma irritada para dentro da mala, até que, a um metro de distância do local onde caí, junto à entrada de uma loja, o meu precioso telemóvel estava em estado duvidoso.
Apresso-me a ver se ainda funciona, mas apesar de estar um pouco riscado, não me desiludiu e deu sinal de chamada, quando liguei para o Gustavo a avisá-lo do sucedido.
O Gustavo mostrou-se incrédulo perante a minha história mirabulante.
Como é que no meu dia E (de Entrega), poderiam as forças superiores castigarem-me desta forma?
Sinceramente, que sempre que me acontece algo semelhante o meu primeiro pensamento segue em direcção a vidas passadas e o mal que já poderei ter causado, noutras encarnações.
Penso que não existirá outra explicação plausível.
Regresso a casa, onde me esperam, o computador e a impressora.
Desta vez antecipo-me e coloco as folhas numa pasta impermeável e para além disso, gravei tudo num CD.
O Gustavo detesta o formato digital. Sempre disse que um livro tem de ser apresentado em papel e que de outra forma, perde toda a sua essência.
O Gustavo que me perdoe, mas não estou disposta a correr riscos!
Tomei banho e vesti uma roupa limpa. Vou fazer de conta que estou a sair de casa pela primeira vez.
Numa corridinha, chego à editora onde todos me esperam.
O Gustavo, a Sílvia (a minha maior fã e boa amiga), o Carlos (que para além de ser meu colega de trabalho, é o meu “ex”) e o restante esquadrão E (de Excelência Editorial).
Todos aguardavam ansiosamente a chegada de Erica Lobo e o seu mais recente livro.
A comitiva fez a festa, como sempre!
Estar com eles é como estar em família, mas ao contrário da família, têm um sentido crítico muito apurado, para o bem e para o mal.
Isso agrada-me... Sempre me agradou, porque me ajuda a evoluir, não só na escrita mas também como pessoa.
O Gustavo, prontamente me perguntou se me tinha acontecido alguma coisa pela viagem, com o seu sorrisinho sarcástico nº22.
Fui obrigada a responder-lhe na mesma moeda, mas ele já está habituado.
- Então esse livro... Quando é que lhe ponho a vista em cima? – perguntou Gustavo, com o resto da comitiva, altamente silenciosa à espera da minha resposta.
- Aqui está ele! – disse-lhe, enquanto retirava o exemplar da pasta.
- Afinal que fim deste à história?... O que eu queria ou o que tu querias?
- Para saberes, terás que lê-lo até ao fim ou batoteiro como és, lês directamente o final.
Garanto-te que vais adorar.
- Deve estar demais. Não aguento a ansiedade. Gustavo, vais ter de o ler rapidamente, para me emprestares. - disse a Silvia, com o seu entusiasmo único.
- Descansa Silvia. - disse-lhe eu, - tenho um CD com o livro. Podes lê-lo por aí.
- Obrigado amiga. Sabes que já não aguentava nem mais um dia.
- Cambada de lambe-botas que vocês me saíram. Vamos lá editar isso e ver se é assim tão bom, como vocês o pintam. - o Carlos abriu a boca, com a malicia e dor de cotovelo de sempre.
- Não te preocupes Carlinhos, que os meu livros jamais serão concorrência para ti. A tua revista de golfe, está a anos luz de distância da minha literatura. - disse-lhe sorrindo e seguindo-se a risota na sala.
- É por estas e por outras que continuas sozinha. Não há homem que te aguente!
- Enganas-te Carlos. Eu continuo sozinha, porque não me contento com homenzinhos como tu!
Carlos saiu da sala a falar sozinho e a Silvia, veio de imediato dar-me um abraço, numa demonstração de apoio.
- Tens que ter cuidado com esse ressentimento Erica. Não te esqueças que o Carlos é muito influente e tê-lo como inimigo, pode trazer-te algumas complicações. - disse-me Gustavo, com um ar preocupado.
- Sabes como sou! Não vou ser hipócrita e dar-lhe palmadinhas nas costas, só porque ele conhece as pessoas certas. Se ele não sabe colocar o Passado para trás das costas, problema o dele. É ele que tem de ter cuidado comigo!
Vou andando, mas fico à espera do vosso feedback em relação ao livro. Quanto a este bate-boca, coloco aqui o ponto-final.
Ao sair da sala de reuniões e quando ía para o elevador para me ir embora, o Carlos ainda me agarrou no braço.
- Larga-me, porque me estás a magoar!!! - gritei-lhe.
- Quando é que vais parar de me tratar assim? Não achas que já chega?
- Caso tenhas falha de memória, foste tu e o teu sarcasmo imparável que começaram lá dentro... no dia em que eu finalmente consegui entregar o meu livro. Não tens o mínimo de respeito por mim, porquê que eu haveria de ser diferente contigo?
- Porque eu sou o pai do teu filho e principalmente, porque ele foi feito com amor, o que quer dizer que já me amaste.
- Não me venhas com essa de invocar o amor que já foi sentido, porque sabes bem que não caio nessas cantigas. Em relação ao nosso filho, ele é a única coisa que resta desse amor de que falas. Ele é sem dúvida a coisa mais importante da minha vida.
- Não acredito que já não sintas nada por mim... Eu ainda te amo e queria que me desses mais uma oportunidade. - disse-me, quase entre os dentes, possivelmente, para que mais ninguém ouvisse.
- Carlos, vê se entendes de uma vez por todas, porque não vou voltar a repetir. Eu jamais e em tempo algum, vou perdoar o que me fizeste e digo-te do fundo do coração... Eu já não te amo! Acabou! Agora vamos ver se te revelas... tu e o teu rancor. Só te peço uma coisa: Não magoes o nosso filho, porque caso contrário, garanto-te que não voltas a por-lhe a vista em cima.
- Não podes fazer isso! O André também é meu filho e não podes impedir-me de o ver. Já devias saber, que sou incapaz de lhe fazer mal. Eu amo-o!
- Ainda bem que assim é!
Entrei no elevador e premi o botão para o Rés-do-chão. Só queria chegar a casa e abraçar o meu filho.
(continua)

Comentários

R.Mendes disse…
Mais uma história para ler e chorar por mais, na companhia dos preciosos "Feeling".

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