Medo da Felicidade
Estava uma noite inquieta. A cidade estava toda iluminada e havia uma mistura de cheiros intensa no ar.
Passei pelo café do costume, mas não te vi. Apenas um amontoado de pessoas e o Jim ao balcão.
Continuei o meu caminho até casa.
Pus a chave na fechadura, mas a porta não queria abrir. Assim que entrei em casa, posei a mala e os sacos das compras e fui apontar no calendário que tenho afixado no frigorífico que, tenho de mandar arranjar a fechadura rapidamente.
Abri uma garrafa de vinho, enchi o copo e fui em direção ao sofá, enquanto ía largando os sapatos. Sentei-me e bebi. Olhei pela janela e a lua estava enorme. Que dia!
O ano passado, por esta altura estava a fechar os maiores e melhores negócios para a empresa e este ano, sou chamada ao escritório da diretora, com um ultimato. Tenho 15 dias para fechar um negócio significativo ou o meu lugar fica disponível.
Tocam à campainha. É o jantar. Domino’s pizza e a dieta vai pela pia abaixo.
Amanhã tenho de ir ao ginásio. Já lá vai uma semana de procrastinação.
Mando mensagem à minha irmã que mora a 2 quarteirões daqui: “Tenho pizza e vinho para o jantar. Apareces?”
Passados 2 minutos recebo resposta: “Tenho cá o Michael. Não vai dar.”
A minha irmã tem uma relação aberta com o Michael. Daquelas que ambos podem estar com outras pessoas, mas acho que ela se está a apaixonar e mais tarde ou mais cedo, esta situação não vai resultar.
Respondo-lhe: “Ok! Cuidado com esse coração.” e logo de seguida recebo outra mensagem: “😊 Não sejas como a mãe.”
Diz-me sempre isto, mas não sei ser de outra forma. É uma das pessoas que mais amo no Mundo. Minha amiga e confidente. Não quero que se magoe nunca! Se isso faz-me igual à mãe, tudo bem. Não tem mal.
E pronto… tenho-te a vaguear no pensamento novamente.
Será que devo enviar-te mensagem?
Esta pizza é gigante só para mim. Aliás, este apartamento também o é.
Talvez devesse arranjar um animal de estimação ou talvez dizer-te o que sinto.
O segredo mais bem guardado de Nova Iorque. Não é que existam muitos. Acho que nunca conheci uma cidade tão transparente. What you see is what you get!
Pessoas a correrem de um lado para o outro. Business, business, business. Chega a ser uma loucura, todos os dias. Fico cansada só de assistir à pressa dos outros.
Steve, onde andas tu, para além de viveres no meu pensamento?
Dou uma dentada na pizza. Uau, estava mesmo a precisar disto. Acendo a TV para ver as notícias. O normal. Mortos, politiquices, desporto e pouco mais.
Anatomia de Grey ou Narcos? Não me apetece ver nenhuma delas. Apago a TV.
Fico só eu e a Lua, enorme e brilhante... E tu!
A culpa é do Jim. Sempre a tentar arranjar-me o par perfeito, mas desta vez, apesar de não querer admitir, talvez tenha acertado.
Em 3 meses, aconteceu um beijo há uma semana e não soube lidar com isso. Como é hábito fugi a sete pés e até hoje consegui a proeza de não responder a cerca de 40 mensagens. Que estúpida e burra me sinto. Parece que paralisei. Na verdade, acho que foi o cérebro que paralisou com tanta burrice.
Deves odiar-me por não te ter dito nada. Não deves sequer querer ver-me. Sempre que olho para as fotos do aniversário do Jim, percebo o quão feliz estava e muito, graças a ti. Nessa noite, tive o Jim constantemente a dizer-me que ele é que sabia o que era melhor para mim. Quem era melhor para mim…
Tenho evitado ir ao café depois do trabalho. Já sei que vou ser massacrada e no fundo sei que com razão. Também tenho receio de me esbarrar contigo. Assim, passo na rua, espreito de soslaio e venho para casa.
Nada parece correr bem. Sinto-me a perder o controlo.
Meu Deus, já começo a parecer-me com as pessoas que critico. Sempre a reclamarem da Vida e a chorarem pelos cantos.
Vou até à casa de banho e ponho a água a correr para encher a banheira. Despejo uns sais de banho e voilà, está pronto. Mergulho por um minuto, como se fosse um batismo.
Ao som de “Fallingforyou” dos The 1975, bebo um pouco de vinho e acabo por desabar num choro, silencioso e sentido.
Ontem, depois do exorcismo, também conhecido por banho para os comuns mortais, tomei um calmante e fui dormir. Remédio santo. Dormi a noite toda.
O despertador toca todos os dias às 7 da manhã e todos os dias, dou 20 voltas na cama antes de me levantar. Normalmente, é o Jeff Buckley que me tira da cama e hoje não foi exceção. Ao som da “Morning Theft”, levantei-me, ainda dormente do vinho e do desgosto.
Vou ao roupeiro e tenho um vestidinho preto, bem descomprometido, descomplicado e é mesmo este que vou vestir hoje. Não me apetece perder muito tempo com isto. Um rímel e um batom suave. O cabelo vai apanhado. Agarro na mala, nas chaves do carro e nas chaves de casa e vamos embora.
No elevador encontro a querida Sra. Petterson, sempre a cheirar intensamente a rosas e sempre sorridente. Levanto os óculos escuros e forço um sorriso, para não parecer mal-educada.
- Bom dia minha querida. Como vai?
- Estou bem Sra. Petterson e a Sra.? Como está a sua perna? Sente-se melhor?
- Estou melhor sim. O médico disse-me que a operação correu lindamente e só volto à consulta daqui a um mês.
- Fico muito feliz. As suas melhoras. Até mais logo. – Saio a correr do elevador, antes que tenha de falar em mais doenças.
Volto a pôr os óculos escuros e passo pela montra do Jim, em corrida até ao carro.
- SARAH! SARAAAAAH!!!
Não acredito! É o Jim a chamar-me. O que é que faço? Finjo que não o ouvi e entro no carro?
- Sarah, o que é que se passa contigo?
O Jim correu até mim e não tive tempo para nada. Tirei os óculos e esbocei um sorriso. Parecia um dejà vu.
- Não ouviste chamar-te? Que cara é essa? Estás com olheiras. Não dormiste?
- Hey, acalma-te Jim. Ainda é muito cedo para brincarmos aos polícias ok? Já agora, obrigadíssimo, por estares a dizer-me que estou com um ar acabado. Bom dia, também para ti!
- Deixa-te de dramatismos. Eu quero saber, porque é que não vens ter comigo há uma semana e porque é que tenho o Steve a perguntar-me por ti todos os dias… várias vezes ao dia.
- Jim, estou sem tempo para esta conversa. Já estou atrasada para o trabalho e as coisas não estão bem, portanto não me posso dar ao luxo de chegar atrasada. Podemos falar logo, ao final do dia?
- Ok! Vou ficar à tua espera. Se não apareceres, eu vou a tua casa.
Dou-lhe um beijo na cara, entro no carro e ponho-me a caminho do trabalho.
Quando chego, dos dois elevadores disponíveis, um está em manutenção e outro está a parar em todos os pisos, enquanto desce.
Ninguém merece! Se não trabalhasse no 32ª piso, ía de escadas e na realidade, depois da pizza de ontem, era o que devia fazer, mas quando chegasse lá cima, atirava-me ao chão.
Entretanto, aparece a nova promessa da equipa, a Michelle. Se ela não fosse estupidamente simpática, conseguia odiá-la, mas é praticamente impossível.
- Bom dia alegria! – grita a Michelle, mal me vê junto ao elevador.
- Bom dia Michelle! Desculpa, mas ainda não bebi café, logo não consigo estar com essa disposição. Ainda por cima, estou atrasada e este elevador está a parar em todos os pisos. Estou com os nervos à flor da pele.
- Calma, ok?! Quando chegarmos lá cima, vais para a tua secretária e eu levo-te um café, combinado?
- Tu não existes, pois não Michelle? – digo-lhe, enquanto penso que posso estar a perder o meu emprego para ela, mas que realmente, é tão boa pessoa que não consigo não gostar dela.
- Sarah, os amigos servem para isso mesmo. Vamos! Já temos elevador.
Lá fomos as duas até ao piso 32. Com os olhares de lado, por estarmos a chegar atrasadas, fomos para as nossas secretárias. A Michelle, após 5 minutos trouxe-me o café, como prometido.
- Este café, sabe-me pela Vida. Obrigada Michelle! Tenho que estar bem acordada. Hoje tenho reunião às 11:30h e não se avizinham coisas boas.
- Confia em ti Sarah! Estás a passar uma fase complicada, mas eras a melhor e uma fonte de inspiração para todos nós. É só uma fase.
- Obrigada pela força. Até já!
Agarro no telefone e contacto todos os meus clientes, à procura de encontrar o negócio que me vai salvar.
A reunião que vou ter às 11:30h, vai ser diária nos próximos 15 dias, para dar um ponto de situação acerca do meu trabalho. Ainda nos dizem que não há pressão…
Acabo de receber três notificações de mensagem. Duas do Jim e uma do Steve.
Até tenho medo de ver a do Steve. Provavelmente, a dizer que nunca mais me quer ver.
As duas mensagens do Jim, dizem exatamente a mesma coisa. “Liga ao Steve. Hoje, sem falta!”.
A reunião de hoje foi para salientar mais uma vez que é imperativo que feche um negócio para permanecer na empresa. Apesar de tudo, a diretora até teve um discurso motivacional.
Depois da reunião, fui fechar-me na casa de banho, para ganhar fôlego e coragem, para ler a mensagem do Steve.
Depois de quinze minutos de muita hesitação, abri a mensagem e li-a… duas vezes.
“Sarah, estou a tentar falar contigo há uma semana. Já não sei o que fazer. Já pensei em ir a tua casa, mas sei que irias reagir mal. Quero estar contigo! Sei que sentiste o mesmo que eu naquele beijo. Diz-me alguma coisa, senão vou assumir que não me queres na tua Vida e respeitar a tua decisão.”.
Respiro fundo, enquanto me escorrem as lágrimas pelo rosto.
Qualquer amiga minha, nesta situação, já estaria numa relação com o Steve. Para mim, é um drama sem explicação. Talvez precise de terapia! É isso! TERAPIA!
Acabou-se a choradeira! Respiro fundo novamente e saio da casa de banho.
Fui almoçar e no regresso ligo ao Jim.
- Sarah!!! Morreu alguém? Não íamos estar juntos mais logo, para falarmos?
- Jim, o Steve enviou-me uma mensagem… Parece um ultimato e tu sabes o que é que eu sinto em relação a ultimatos, não sabes?
- Sarah, quando é que cresces? A vida não gira à tua volta! Mas que porra!!!
O Steve tem vindo ao café todos os dias, na esperança de te encontrar e tu, como grande covarde que és, não apareceste nenhum dia e ainda por cima, não lhe respondes às mensagens e não lhe atendes as chamadas. Foi tudo bonito. Cor-de-rosa. Purpurinas. Agora que esbarraste com alguém que realmente te merece, foges a sete pés? Estás a tornar-te na pessoa que mais odeias.
- Ui! Vais mesmo continuar a conversa por esse caminho? Se sim, vou desligar o telefone.
- Já não me surpreendia!!! – diz-me o Jim, num tom notoriamente irritado.
- O que achas que devo fazer?
- Sarah, sê mulher! Admite os teus sentimentos e sê feliz. Sê feliz, pela primeira vez, na porra da tua vida!!!
- OK!!! Já sei o que vou fazer! Foste um bocado bruto nesta conversa, nem pareces tu.
- Desculpa, mas estavas a precisar. Faz o que tens a fazer. Estarei cá para o que precisares.
- Obrigada! – disse-lhe, antes de desligar a chamada.
Meti-me no elevador e fui até ao terraço do prédio.
Uma das melhores vistas sobre Nova Iorque.
É aqui que venho, quando preciso de organizar as ideias.
Abro as mensagens para responder ao Steve.
Fecho.
Olho a cidade que não para nem por um segundo. Vejo tudo minúsculo lá em baixo. Parecem formigas, vistos daqui.
Tudo tão pequeno e eu, a transformar algo que podia ser tão simples, em algo tão complexo, que me consome, me tira o sono e me deixa inquieta.
Abro as mensagens para responder ao Steve. Releio a mensagem dele.
Olho o infinito por dois minutos. Respiro fundo.
“Olá Steve, sei que te devo uma explicação. Amanhã queres jantar em minha casa, às 20:30h? Falamos com calma.”
Mensagem enviada com sucesso.
Fez-se silêncio em Nova Iorque. Não se ouvia nem o soprar do vento.
No meu peito a galope, o coração. Na minha cabeça, a recordação da música que ouvi no restaurante ao almoço e que curiosamente encaixa bem neste momento, “Damn I Wish I Was Your Lover” da Sophie B. Hawkins.
No dia seguinte…
Hoje é o dia D!
Estou nervosa, ansiosa, preocupada. É um misto de sentimentos tão grande que, nem sei ao certo, o que vai cá dentro.
Ontem, antes de vir para casa, ainda fui ter com o Jim. Precisava de orientação e de alguém que me chame à razão, principalmente nestas situações, em que não consigo ser racional.
É um facto que, não consigo desligar-me do passado, mesmo que tenha consciência que alguma coisa mudou dentro de mim nos últimos três meses.
Tenho de me mentalizar que nem todos os homens são como o Jake e é neste exercício mental que tenho falhado redondamente. Resta-me ter esperança que o Steve me ajude a esquecer o mal do passado.
Pensando noutras coisas…
Vou ter de aproveitar a minha hora de almoço para fazer umas compras e quando sair do trabalho, tenho de ir a voar até casa, para ter tempo de preparar tudo.
Oito horas depois.
Saio a correr do trabalho, meto-me no carro e acelero até casa.
Ao chegar a casa, preparo o jantar e abro a garrafa de vinho para deixá-lo respirar. Ainda dá tempo de fazer a sobremesa.
Enquanto a comida está no forno, tomo um duche para relaxar.
Mudo de roupa vinte vezes. Que neura!
No fundo do roupeiro, encontro um vestido que nunca estreei. É mesmo este.
Acendo umas velas. Ponho uma música a tocar. Bebo um copo de vinho, enquanto ponho a mesa. Revejo tudo ao pormenor. Tem de estar tudo perfeito.
Recebo uma mensagem. É do Steve.
“Olá Sarah. Devo demorar cerca de 20 minutos. Até já. Beijos.”
Ok. Vinte minutos. Vinte longos minutos.
Bem…
Comida, check. Vinho, check. Velas, check. Música ambiente, check. Sobremesa, check. Sarah, de corpo e alma, check. Solto uma gargalhada.
Envio mensagem ao Jim: “O Steve chega daqui a 20 minutos. Já bebi um copo de vinho. Só me apetece roer as unhas ou fumar um cigarro.”
O Jim responde-me: “Sarah, vai correr tudo bem. Mantém a calma. Tu nem fumas e quanto às unhas… por amor de Deus. Gastas uma fortuna nelas. Poupa-as. Bebe mais vinho.”
Vou até à janela, de copo na mão, apreciar a noite na cidade.
Permaneço ali durante alguns minutos, até que o forno me dá o sinal sonoro de que a comida está pronta. Vou até lá ver se está no “ponto”. Está incrível.
Olho para o relógio e passaram 30 minutos. Sento-me no sofá, enquanto espero.
O Steve deve estar mesmo a chegar.
Já se passaram 40 minutos. Começo a olhar para o relógio a cada minuto. Estou impaciente. A que se deve esta demora?
Envio mensagem ao Jim: “Ele está 20 minutos atrasado. Achas que ele ainda vem?”
O Jim responde-me: “Claro que vai. Deve estar preso no trânsito. Sabes bem que a esta hora, é sempre complicado chegar ao destino.”
Entretanto, algures em Nova Iorque, a caminho de casa da Sarah, o Steve faz um desvio do trânsito caótico para tentar minimizar o atraso. Lembra-se que tinha de ir a casa, buscar um presente que lhe tinha comprado. Como vive a poucos minutos de casa da Sarah, decide ir a casa. Apesar de não conhecer o caminho, arrisca. O GPS foi uma das melhoras invenções de todos os tempos. Conseguiu chegar a casa e apressou-se em entrar, apanhar o pequeno saco e sair.
Quando ía a entrar no carro que tinha ficado na entrada do portão, alguém chega por detrás e dá-lhe uma pancada na cabeça, deixando-o inconsciente e colocando-o dentro da bagageira, fugindo no seu carro.
Enquanto isso a Sarah, já bebeu três copos de vinho e comeu quase meia caixa de bombons.
Ainda não parou de trocar mensagens com o Jim, que está a tentar ao máximo que ela mantenha a calma. Afinal, se o Steve estivesse sequer a pensar em não ir ao jantar, não lhe tinha enviado uma mensagem a dizer-lhe que estava um pouco atrasado.
O Steve acorda da pancada, muito confuso e com dores na cabeça. Apercebe-se que está numa bagageira e começa a gritar e a dar pontapés.
Passados alguns minutos, o carro para. O Steve fica imóvel. Ouve passos.
Abrem a bagageira e apontam-lhe uma arma. São dois homens que ele nunca viu. Um deles agarra-o para o tirar da mala, tapam-lhe a cabeça e levam-no para um armazém. O outro nunca deixa de lhe apontar a arma.
Ao chegarem ao armazém, sentam-no numa cadeira e amarram-no. Tiram-lhe o saco que lhe tapava a cabeça e rapidamente o Steve apercebe-se que o número de homens passa de dois para cerca de dez.
Um deles agarra numa cadeira e senta-se a poucos metros do Steve. É claramente o líder deste grupo, sejam eles quem forem, pensa o Steve.
- Steve Hunter. – diz o líder do gang, em tom jocoso.
- É engraçado que saiba o meu nome, quando eu não tenho qualquer memória de o conhecer. – diz o Steve, em tom irritado e irónico.
- É normal que não me conheça, porque eu não faço negócios na sua área. – diz, soltando uma gargalhada. – Mas, falando do que interessa. Sabemos que o Steve é o CEO de uma empresa muito bem cotada no mercado e com lucros milionários. Hoje surgiu uma excelente oportunidade de fazermos negócio. Queremos que faças uma transferência com as instruções que te vamos dar e talvez te deixemos ficar vivo, que tal?
- Não vou fazer transferência nenhuma e preciso que me devolvam o telemóvel.
O líder faz um sinal com a cabeça e um dos homens dá um murro no Steve. Levanta-se e afasta-se da cadeira.
- Sabes?! Não é assim que costumo fazer negócios. Não estou habituado a que me digam que não. Não é bom para a saúde de ninguém. Precisas do telemóvel para quê? Estás à espera de alguma chamada importante? – diz, enquanto mexe no telemóvel do Steve que, apesar de bloqueado, conseguem-se ver as chamadas não atendidas e mensagens não lidas.
- Nunca te ensinaram que não se mexem nas coisas dos outros? – diz o Steve.
- Não sei se és estúpido, se não tens amor à Vida ou se és corajoso. Estás em minoria, amarrado a uma cadeira, ferido e não estás armado. Faz as contas e junta-lhe as probabilidades e diz-me se vais continuar com essa atitude de herói, porque já me começas a irritar! Já agora, quem é a Sarah? Parece-me que quer muito falar contigo.
- DÁ-ME O TELEMÓVEL!!! – o Steve levanta-se, trazendo a cadeira atrás e imediatamente, vários homens vão em direção a ele para lhe baterem e o segurarem.
- Hmmm… parece-me que toquei num ponto sensível. Ótimo!
Fazemos assim… Se fizeres tudo como eu te vou dizer, eu não te obrigo a veres a Sarah morrer. O que dizes, hein? Parece-me um negócio dos diabos.
- A Sarah não tem nada a ver com isto!
- Tem, se for a única forma de fazeres aquilo que eu quero.
O telemóvel do Steve começa a tocar.
- Ora, ora, quem temos nós aqui!
- Eu faço a transferência. Não é preciso envolvê-la nisto. – diz o Steve em tom aflito.
- Vamos só garantir que isso acontece mesmo.
Entretanto, a chamada da Sarah é atendida.
- Finalmente Steve! Que se passa? Onde estás tu?
- Olá Sarah. Aqui é o primo do Steve que fala. Estamos com uma emergência familiar em mãos e o Steve, como é uma pessoa incrível, veio ajudar-nos. Ele pediu-me para que caso ligasses, para atender e dizer-te isto.
- Mas o que se passa? Posso ajudar? Ele já não vem jantar?
- Ah, tinham um jantar hoje? Que chatice!!! Não, ele não vai conseguir ir ao jantar. Obrigada, mas são problemas de família e não podes fazer nada.
- Está bem! Diga-lhe para me ligar assim que possível, por favor.
- Claro que digo Sarah! Espero conhecê-la em breve.
A chamada é desligada.
A Sarah fica completamente confusa e preocupada. O Steve está completamente irritado e nervoso.
Inquieta, Sarah liga para o Jim e depois de alguns minutos, ele atende:
- Sim Sarah? O que é que se passa?
- Sabes de algum primo do Steve? Sabes se há algum problema de família? O Steve disse-te alguma coisa?
- Hey, calma! Pára de me bombardear com perguntas. Qual primo? Não conheço nenhum primo do Steve e não sei de problemas de família, porquê?
- Voltei a ligar ao Steve há pouco, porque ele estava muito atrasado e estava a ficar preocupada, mas atendeu um primo a dizer que estavam com uma emergência familiar e que o Steve não podia atender nem vir ao jantar, porque estava a ajudar a resolver. Achei muito estranho. A voz dele arrepiou-me.
- Deves estar a exagerar, para não variar, não é Sarah?! – diz Jim, impaciente e respirando fundo.
- Não estou a exagerar Jim. Tenho um mau pressentimento. Se ele não viesse jantar, tinha sido ele a ligar.
- Fazemos o seguinte… quando fechar o café, dou um salto a casa do Steve e vejo se ele já lá está. Depois digo alguma coisa, ok?
- Sim. Faz isso por favor e assim que souberes de alguma coisa, liga-me logo.
- Combinado. Agora, acalma-te. Não há-de ser nada de grave.
Entretanto no armazém, o líder do gang, depois de desligar a chamada, começa a rir-se enquanto grava o número da Sarah no seu telemóvel.
- O QUE É QUE ESTÁS A FAZER?! – grita o Steve, visivelmente irritado.
- Estou a gravar o número da tua namorada, porque me parece que ainda vai ser muito útil.
- Já te disse para deixares a Sarah fora disto. Eu faço a transferência. Diz-me o que é que tenho de fazer! – respondeu o Steve, enquanto se mexia muito na cadeira e se tentava soltar.
Sem que tivesse tempo de dizer mais uma palavra, o líder do gang aproximou-se e agarrou-lhe no pescoço, enquanto outros dois homens o seguravam.
- Continuo a não gostar do teu tom, nem da tua atitude. Acho mesmo que estás a precisar de perceber quem é que manda aqui. - disse-lhe enquanto lhe aperta o pescoço e movimenta a cabeça, com os dentes cerrados. Acena a outro homem que tem uma pistola na mão.
O líder do gang virou costas e afastou-se e enquanto isso, o homem que tinha a arma na mão, disparou acertando na perna de Steve.
O Steve gritou de dor e era visível na sua cara a mistura de espanto, dor, raiva e inconformidade com o que lhe estava a acontecer.
- Acho que agora sim, estamos no caminho certo, não é Steve Hunter? Já sabes qual é o teu lugar. Aqui não és CEO. Aqui não és nada! Espero que tenhas entendido agora, como deverá ser o teu tom de voz e a tua atitude, porque senão vou continuar a furar-te até pareceres um passador. Imagino o que é que a tua namorada iria pensar ao ver-te assim… - diz-lhe enquanto se dirige a uma secretária para ir buscar um portátil e uma cadeira.
Volta a aproximar-se de Steve. Pousa a cadeira à sua frente e senta-se. Enquanto faz qualquer coisa no portátil, vai falando.
- Vou facilitar-te o trabalho. O nosso especialista já preparou tudo para que apenas tenhas de colocar o teu código de segurança e seja feita a leitura de retina. Depois de fazeres isso, talvez te deixe saíres em liberdade.
Enquanto isso, o Jim já tinha fechado o café e estava a caminho de casa do Steve.
Estaciona na rua, sai do carro e começa a aproximar-se do portão de entrada da casa. Está tudo fechado e não se vê nenhuma luz acesa. O Jim toca à campainha várias vezes, mas sem resposta. Vai caminhando até ao portão que dá acesso à garagem e apercebe-se que não está mesmo ninguém em casa. Nessa altura, começa a dirigir-se para o carro, mas há algo caído no chão que lhe chama a atenção. Era o isqueiro do Steve. Tinha as iniciais dele gravadas e o Jim já o tinha usado, por isso ele tinha a certeza que só podia ser do Steve. A poucos centímetros estava um porta-chaves com umas chaves e um comando com um botão. O Jim premiu o botão e os portões que dão acesso à garagem começaram a abrir-se.
O Jim que se tinha baixado para apanhar as chaves, começa a levantar-se lentamente e a virar-se em direção ao portão. Ligou à Sarah.
Assim que ela atendeu…
- Sarah, algo se passa!
A Sarah ao perceber a preocupação na voz do Jim, ficou ainda mais assustada.
- O que se passa? Estás em casa do Steve?
- Estou Sarah, mas ele não está em casa. Encontrei no chão o isqueiro que tem as iniciais dele e as chaves de casa. Aconteceu alguma coisa!
- Já tentaste ligar-lhe? – disse-lhe Sarah.
- Não. Vou tentar agora.
Ao tentar ligar a Steve, o telemóvel deu sinal de desligado. Voltou à chamada com a Sarah.
- O telemóvel do Steve está desligado, Sarah! O que fazemos?
A Sarah estava tão nervosa que nem estava a conseguir raciocinar. A roer as unhas e a andar para trás e para a frente em casa.
- Eu vou ter contigo. Em 10 minutos estou em tua casa. – disse Jim, desligando a chamada.
A Sarah só pensava que nada disto fazia sentido e que há uns dias o Steve a tinha convidado para irem passar uns dias na casa de praia e que ela não lhe tinha respondido à mensagem.
Se tivesse aceite, estaria com ele e nada do que possa estar a acontecer, seria real. Sente-se culpada.
Jim chega ao prédio da Sarah e toca à campainha. Sarah abre-lhe a porta e passado poucos minutos, o Jim aparece à sua porta de casa que estava aberta.
Sarah abraça-o.
Jim trazia na mão o isqueiro e as chaves que tinha encontrado e dá a Sarah. Os olhos dela enchem-se de lágrimas.
- Jim, temos de ir à polícia agora.
- A polícia não vai querer saber. Já vi nos filmes que a pessoa tem de estar desaparecida pelo menos há 24 horas.
- Mas isto não é uma situação normal. Tu encontraste isto ao pé de casa do Steve. Não faz sentido. Não faz sentido… – diz Sarah, mostrando-lhe as mãos com as coisas do Steve.
Sarah vai em direção à porta, agarra na mala, vira-se para Jim e diz-lhe:
- Vais ficar aí?
Jim que, entretanto, se tinha sentado, levanta-se e vai em direção à saída, passando por Sarah, que sai, fechando a porta.
Entraram os dois no carro do Jim e foram até à polícia mais próxima.
Chegando lá… não estava ninguém na receção. Sarah olha em volta e não via ninguém.
- Mas não está aqui ninguém?! – afirmou em tom indignado.
Começa a ir pelo corredor, olhando para dentro dos gabinetes, à procura de alguém.
Jim ficou parado na entrada.
- Oh minha senhora! Não pode estar aqui!!! – disse um polícia, saindo de um dos gabinetes por onde Sarah tinha passado.
- Ainda bem que encontro alguém… - disse, mas sendo de imediato interrompida pelo polícia.
- Faça o favor de me acompanhar. – o polícia agarrou-lhe o braço, irritado e começou a encaminhá-la para a receção.
- Oiça… isto é uma emergência! Há uma pessoa desaparecida…
- Minha senhora, vai ter de esperar vir aqui alguém falar consigo. – disse o polícia, virando costas e voltando para o seu gabinete.
Sarah, ainda corre para se meter à frente do polícia.
- Não volto a dizer-lhe que tem de esperar. Se não voltar para a receção, vou ter de prendê-la por desobediência à autoridade. Entendeu?!
- Então, alguém que faça o seu trabalho! Onde está a pessoa da receção? Já lhe disse que isto é uma emergência.
Entretanto, uma polícia vem do corredor dos WC’s.
Sarah dirige-se à polícia e pergunta-lhe.
- Há uma pessoa desaparecida. É consigo que tenho de falar? Quem é que me pode ajudar?
- Acalme-se! Sim, venha comigo. – responde a polícia, encaminhando-se para a receção.
- Então diga-me lá o que se passa?
- Um amigo nosso desapareceu. Bem… achamos que desapareceu. Ele devia ter ido jantar comigo e não apareceu. O Jim foi a casa dele e encontrou isto no chão. – disse-lhe, tirando o isqueiro e as chaves da mala, colocando as coisas em cima do balcão.
- Há quanto tempo não falam com ele?
- Eu recebi uma mensagem dele às 20:20h a dizer-me que ía demorar 20 minutos a chegar. Nunca chegou. Tentei ligar-lhe várias vezes e enviei várias mensagens. A última vez que liguei, atendeu um homem e disse que era primo dele e que estavam com uma emergência familiar e que o Steve estava a ajudar a resolver. Muito estranho! E depois o Jim… – disse enquanto apontava para o Jim. – …foi a casa do Steve, há cerca de 45 minutos, para ver se ele já tinha chegado. Encontrou isto no chão e o telemóvel está sempre desligado.
- 20:20h de hoje? Não acham que se estão a precipitar?
- Não, não acho! – respondeu Sarah, irritada e impaciente. – Alguma coisa se passa! Nada disto é normal no Steve.
- Bem, vamos lá preencher aqui o formulário. Nome completo, por favor?
Sarah e Jim olham um para o outro e perceberam que nenhum sabe o nome completo.
- Steve Hunter! Não sei o nome completo. Não nos conhecemos há muito tempo. O Steve é o CEO da Hunter Technologies.
- O Steve Hunter? O meu sobrinho trabalha na Hunter Technologies. – disse a polícia, mostrando-se apreensiva. Levanta-se do seu lugar e disse a Sarah e a Jim para esperarem.
Desaparece nos corredores e passados uns minutos regressa com alguém.
- Boa noite, eu sou o inspector Sebastian Loch. – apresenta-se com um aperto de mão. - A Lea estava a dizer-me que acreditam que o Steve Hunter está desaparecido? Contem-me o que se passa, por favor.
Sarah volta a contar a história toda, enquanto o Jim vai até à rua.
- Percebe porque não acho nada normal o que se está a passar? Aconteceu alguma coisa. Eu sinto-o.
- Eu vou avançar com a investigação com uma equipa no terreno, por duas razões… é o Steve Hunter e pelo facto de terem encontrado alguns pertences junto à casa dele. Podem voltar para casa e eu vou manter-vos ao corrente da investigação.
- Eu não posso simplesmente ir para casa. Não há nada que possa fazer? – pergunta Sarah.
- Pode estar atenta ao telemóvel, caso ele lhe ligue. E se isso acontecer, agradeço que nos informe de imediato.
Sarah sai e encontra-se com Jim à entrada. Jim atira com um cigarro para o chão e pisa-o para o apagar.
- Agora fumas? – pergunta Sarah, admirada.
- Só fumo quando estou muito nervoso e acho que é caso para isso, não achas?
- Fumar faz-te mal e para quem está sempre a fazer discursos sobre uma vida saudável, nem parece teu. Bem… Disseram-me para irmos para casa. Vão colocar uma equipa a investigar o desaparecimento.
- Ai sim?! Então e qual é o próximo passo?
- Não me disseram grande coisa. Vão investigar. Pediram para ficarmos atentos ao telemóvel.
- Vamos, eu deixo-te em casa.
- Podes ficar comigo Jim? Não quero ficar sozinha! – disse Sarah, enquanto o seu semblante fica pesado e se afunda em tristeza.
- Claro que fico. Não fiques assim, vá. Vai correr tudo bem. – disse-lhe enquanto a abraçava.
Foram para casa da Sarah. Ao chegarem, ela sentou-se no sofá e Jim foi até à cozinha pôr um chá a fazer.
Sarah estava sentada no sofá a reler as mensagens de Steve e Jim grita da cozinha:
- Queres que faça alguma coisa para comeres? Uma torrada?
- Não consigo comer nada. Estou agoniada.
Jim vem até à sala, senta-se ao lado de Sarah no sofá. Dá-lhe as mãos e diz-lhe a olhar-lhe nos olhos:
- És uma pessoa especial e sabes que és a minha melhor amiga. Acredita que vai ficar tudo bem. Vai parecer que foi apenas um pesadelo. Vamos deixar a polícia fazer o seu trabalho.
- Obrigada Jim. Se não fosses tu, não sei como estaria a minha vida.
A chaleira começa a apitar e Jim levanta-se para ir buscar o chá.
Entretanto no armazém, o líder do gang depois de se ausentar para receber uma chamada, dirige-se a Steve, baixa-se e diz-lhe quase a sussurrar:
- Vamos passar ao plano B. Prepara-te para uma pequena viagem!
Agarra no portátil. Fecha-o e coloca-o na mala. Faz sinal aos seus homens que desamarram o Steve da cadeira, mas amaram-lhe as mãos e as pernas e colocam-no numa carrinha. Steve tinha uma mordaça na boca e um saco na cabeça. Na carrinha iam dois homens com ele.
Ao todo, três carros e uma carrinha saem do armazém, abandonando o local.
Iam a caminho de algum lado, mas Steve não sabia o seu destino. Tentava aliviar as cordas que lhe apertavam os pulsos. A perna continuava a sangrar do tiro que levou e tinha a cara muito ferida. Sentia tantas dores, mas já não conseguia distinguir que partes do corpo lhe doíam.
Perde os sentidos.
Acorda num sítio totalmente diferente, depois de lhe atirarem um balde água fria. Estava novamente amarrado a uma cadeira. Há várias janelas no espaço mas estão todas cobertas com panos pretos. Nota-se que há alguma luz do sol a entrar pelas brechas.
Quantas horas se teriam passado para já ser dia, perguntava-se Steve.
Na casa de Steve, a polícia já tinha ido revistar tudo o que era possível à procura de provas e pistas que pudessem indicar-lhes o paradeiro do empresário.
No edifício da polícia, entra um colega no gabinete do inspector Sebastian Loch e na mão leva uns papéis.
- Conseguiram dar-nos a localização do telemóvel do Steve Hunter durante a chamada feita pelo telemóvel da Sarah Jackson. – diz o polícia, entregando os papéis ao inspector.
- Prepara uma equipa de intervenção. Temos de ir a este local.
- É para já! – responde o polícia, saindo do gabinete.
Depois de reunirem a equipa, o inspector faz um briefing com todos, fazendo o enquadramento do desaparecimento do empresário e explicando o que espera desta intervenção.
Levantam-se e vão para os seus carros, deslocando-se para o local identificado.
Ao chegarem às imediações do local, com as sirenes desligadas. Saem dos carros fazendo pouco barulho e apenas comunicando com sinais. Cercam o local.
Ao sinal do inspector, arrombam a porta e estrategicamente começam a entrar no armazém.
Deparam-se com o armazém vazio.
O inspector vê umas cordas caídas detrás de um bidão.
- Revistem o armazém e recolham tudo o que for importante. – ordenou aos seus homens, enquanto pega no telemóvel e faz uma chamada.
Sarah que tinha adormecido no sofá, acordou com o telemóvel a tocar. Ao olhar para o telemóvel, vê que é o inspector que lhe está a ligar. Senta-se no sofá, em sobressalto e atende.
- Sarah!
- Sim?! Inspector…
- Bom dia Sarah. Quero apenas dar-lhe um ponto de situação, como combinámos. Localizámos a chamada que fez para o Steve Hunter… Viemos até ao local, mas não encontrámos ninguém. Temos indícios de que o Steve Hunter esteve aqui. Vamos prosseguir com a investigação. Vamos encontrá-lo! Darei notícias em breve.
O inspector desliga a chamada. Sarah fica estática com o telemóvel na mão, enquanto o afasta do ouvido. As palavras do inspector ecoavam na sua cabeça e não conseguia afastar os maus pensamentos, transportando-a para um labirinto de medo. Medo pelo que possa estar a acontecer com o Steve e medo que não lhe possa dizer o que sente por ele. Assolada por estes sentimentos, levanta-se para procurar conforto no abraço seguro de Jim, mas não o encontra.
Envia uma mensagem a Jim: “Onde estás? Preciso de ti!”
Jim responde de imediato: “Vim buscar o pequeno-almoço. Volto em 15 minutos. Até já!”
Sarah que tinha um cardigan vestido, aperta com força as duas metades do casaco a meio do seu peito. Olha para o telemóvel. Vai aos contactos e liga para Steve. Continua desligado e não tem voice mail. Coloca o telemóvel em cima da bancada da cozinha e vai buscar um copo. Enche-o de água e vai bebendo aos poucos, como se estivesse a digerir lentamente as últimas 24 horas da sua vida, sem acreditar como poderia ter saído desta forma do seu controlo.
Na realidade já tinha saído do seu controlo antes disto, porque a relação com o seu pai tinha-se deteriorado bastante, depois dele ter pedido o divórcio. Ver a sua mãe destroçada, deixo-a revoltada e viu o afastamento do seu pai, que se apaixonou por outra pessoa e reforçou por completo, tudo o que não queria para uma relação. Duas das pessoas mais importantes da sua vida, viram-se em mãos com um amor que foi desvanecendo e que por vários motivos se foi transformando em repulsa e discussões pouco privadas. A sua vida familiar estava virada do avesso e a sua vida profissional estava igualmente instável. Foram estas as razões que a levaram a tentar proteger-se, negando o amor pelo Steve e não aceitando que ele a pudesse amar também.
Numa floresta densa, junto a um lago, estava uma cabana de madeira. Era aqui que Steve estava agora. Só lhe cheirava a madeira e a terra molhada. Cheiros que não sentia desde pequeno, quando ía pescar com o seu avô materno.
Abre-se uma porta e entra o líder do gang, seguido de dois dos seus homens. Os restantes tinham um perímetro montado fora da cabana.
- Ainda bem que estás acordado e fresco, porque temos um assunto para terminar. – diz enquanto passa a mão pela barba. Abre a mala do portátil, tira-o e abre para começar a preparar novamente a transferência. Volta a puxar uma cadeira, para se sentar em frente a Steve e este não se contém e diz em tom de ironia.
- Estou a ter um dejà vu.
- Espanta-me como é que um gajo aparentemente inteligente, CEO de uma empresa, pode ser tão miseravelmente burro. Ficar calado é uma arte que não dominas e isso vai sair-te caro.
- Já percebi há muito que não vou sair daqui vivo, portanto não me vou calar.
- Faz como quiseres. Já te disse o que tinha a dizer e já te mostrei que não estou para brincadeiras. Trato de ti depois.
O líder do gang chama-se Tom. É um homem alto e bem constituído, com barba e moreno. Os olhos são escuros e penetrantes, mas por vezes parecem vazios. Tem uma cicatriz na sobrancelha direita.
Degenerou-se quando andava na universidade. A meio do curso começou a dar-se com as companhias erradas e acabou no mundo do crime. Já esteve preso duas vezes. A primeira por roubo e a segunda por fraude, mas conseguiu sair, porque trabalha para várias pessoas importantes e tem à sua disposição os melhores advogados.
Prepara no portátil tudo o que é necessário para Steve fazer a transferência. Diz a um dos homens para lhe soltarem as mãos e o outro homem aponta-lhe uma arma à cabeça.
Steve estava a sentir o cano da arma, frio e metálico no seu rosto, mas sem nunca mostrar medo. Nem ele sabia como.
- Bem, vamos lá despachar isto. Está tudo preparado. Coloca o código, faz o reconhecimento de retina e não te armes em engraçado. – diz Tom, segurando o portátil para Steve fazer a operação.
Steve levanta os braços lentamente, abrindo e fechando as mãos que estavam um pouco dormentes de estarem presas. Coloca o código e passados uns minutos aparece a operação concretizada. Faz o reconhecimento de retina com sucesso.
No ecrã do portátil dá para ver o dinheiro a ser transferido e a conta de Steve a ficar a 0. Assim que atinge o 0, o Tom fecha o portátil e guarda-o na mala.
- Amarrem-lhe as mãos e levem-no lá para fora. Eu já lá vou ter.
Jim regressa com o pequeno-almoço e Sarah coloca-o ao corrente da situação.
Sarah diz-lhe que está sem apetite, mas depois do Jim insistir, sentam-se na mesa redonda da sala a comer, enquanto falam sobre o que se passa.
- O inspector disse-te o que vão fazer a seguir? – pergunta curioso.
- Apenas disse que vai continuar a investigar. Não adiantou muito mais. Sabes?!... Não me sai da cabeça que devia ter aceitado o convite para irmos para a casa de praia. Eu e os meus medos, é que nos colocaram nesta situação. – diz Sarah, levantando-se da cadeira, caminhando até à janela, colocando as mãos na cabeça.
Jim levanta-se, puxa-a para ele e diz-lhe:
- Tu não tens culpa nenhuma do que se está a passar. – afirma com convicção, olhando-a nos olhos e roubando-lhe um beijo na boca.
Sarah rejeita-o de imediato, afastando-o com os braços. Limpando a boca ao casaco e fazendo uma careta.
- O que é isto Jim? Estás a passar-te?
- Não, não me estou a passar. Já não consigo esconder aquilo que sinto por ti. Pensei que com o Steve longe, pudesses olhar para mim com outros olhos.
- Com o Steve longe?! Mas estás bem?! Estás a ouvir o que estás a dizer?! Como se o Steve tivesse tido escolha.
- Eu também não tive escolha. Sempre neste papel de amigo… - disse com um ar de inconformado.
- Nós sempre fomos amigos! Não sei de onde tudo isto está a vir… Aliás, estás constantemente a tentar arranjar-me um par e fizeste a mesma coisa com o Steve. – respondeu Sarah, espantada e surpresa com a situação.
- Estou cansado Sarah. Estou cansado de fazer papel de amigo. Não é isso que quero. Tentei mostrar-te isso por diversas vezes, mas sempre ignoraste as minhas demonstrações de amor e a única forma que encontrei de te mostrar o quanto te amo, foi ajudar-te a seres feliz.
Sarah senta-se no sofá, colocando as mãos na cabeça.
- Eu não te quero magoar Jim, mas nós somos amigos e nada mais do que amigos. Nunca me apercebi que tivesses outros sentimentos por mim e lamento. É uma péssima altura para falarmos sobre isto… honestamente! Nem sei o que te dizer.
- Não digas nada. Eu vou-me embora! – responde Jim, que atravessa a sala e sai porta fora.
Sarah ainda ía dizer alguma coisa, mas Jim foi mais rápido a sair.
- Isto não me está a acontecer! – gritou Sarah, sozinha em casa, como se estivesse a exorcizar os demónios.
Jim entra no carro e acelera a fundo.
Na floresta, junto à cabana, está Steve ajoelhado e amarrado, virado para o lago. Num olhar vago, volta às memórias de infância com o avô materno e refugia-se aqui por alguns minutos… até que ouve uma porta bater.
- Steve Hunter!... Agora já podemos brincar. – diz, enquanto se dirige em direção ao Steve, guardando a pistola e enquanto um dos seus homens lhe passa uma caçadeira para as mãos. Tom verifica que tem munições na caçadeira.
Foi nesta altura que Steve olha para trás, vendo a cara de Tom… transfigurada pela falta de emoção.
Steve ía aos poucos mentalizando-se de que não iria sobreviver.
- Desamarrem-no! Vamos jogar um jogo, Steve. Vou dar-te 5 minutos de avanço e vais ter de correr naquela direção. – disse-lhe apontando para uma árvore que estava a poucos metros e que tinha um X marcado.
- Depois disso, eu vou caçar-te. Esconde-te bem, porque não vai ser bonito quando te encontrar.
Os homens de Tom, cortam as cordas que amarram Steve e este levanta-se, com a perna debilitada com o tiro. Não se esvaiu em sangue, porque Tom deu ordem para lhe tirarem a bala, desinfetarem a ferida e o coserem. Não queria arriscar que ele não estivesse em condições de fazer a transferência.
Junta toda a força que lhe resta e começa a correr com visível dificuldade, a coxear.
- Steve, vais ter de melhorar essa performance, senão és um homem morto! – grita Tom, em tom jocoso.
Steve continua a correr como consegue e vai observando tudo à sua volta a tentar perceber para onde vai e o que vai fazer. Se há algum sítio onde se possa esconder. Alguma coisa.
Entretanto, chega um carro em alta velocidade e trava a fundo junto à cabana.
Jim sai do carro, batendo a porta com força.
- Jim, meu caro! Chegaste na hora certa. Ainda vens a tempo para jogares um jogo. – diz Tom que começa a andar em direção a Jim.
- Onde está o Steve? – pergunta olhando em volta e procurando-o.
- Calma! Está tudo a correr como combinámos. Já temos o dinheiro do nosso lado.
Jim passa pelo Tom, empurrando-o e entra na cabana à procura de Steve e chamando por ele.
Tom vai atrás dele e entra na cabana.
- Mas o que é que se passa contigo? Estás parvo? – perguntou Tom irritado com a atitude do amigo.
- Eu só quero saber onde é que ele está. ONDE É QUE ELE ESTÁ? Combinámos que depois da transferência de dinheiro, o levavas de volta. Desde a última vez que falámos… - olhou para o relógio - …já se passaram quase 24 horas e temos a polícia a investigar. Isto não vai acabar bem…
Jim está exaltado e impaciente. Sai da cabana. Olha em volta e só vê os homens de Tom.
Tom vem atrás dele.
- Se calhar é melhor acabarmos com isto, não achas? Dei-lhe uns minutos de avanço, porque ele não está bem de uma perna. Tivemos um pequeno contratempo.
- Como assim? O que é que se passou? Descontrolaste-te outra vez? Já devia estar à espera que isto acontecesse. És sempre a mesma coisa, desde os tempos da universidade.
Jim começa a caminhar na mesmo direção para onde foi o Steve e Tom continua a andar atrás dele, voltando a agarrar na caçadeira que tinha encostado ao carro do Jim.
- Jim, ele sabe quem eu sou e para além disso eu tive de lhe tratar da atitude. Já me estava a irritar, sua excelência. Tive de o colocar no lugar.
Steve que estava com grandes dificuldades, com dores na perna, começa a ouvir vozes a aproximarem-se e esconde-se atrás de umas pedras.
- Eu disse-te o que tinhas de fazer e era muito simples. Só tinhas de o raptar, tratares da transferência do dinheiro e voltavas a deixá-lo perto de casa. Simples! Não era para magoares ninguém desta vez.
- E qual é a piada disso? Se querias um trabalho básico, fazias tu.
Steve ficou muito confuso porque, entretanto, Jim e Tom estavam muito próximos e ele conseguiu reconhecer a voz de Jim. Esgueirou-se para ver se era mesmo o Jim e reconheceu-o. Voltou a baixar-se. Estava incrédulo. Porque razão estaria o Jim metido nisto?!...
- Estou cansado dos teus devaneios Tom. Não vou limpar mais nenhuma asneira tua.
- Ai não?! Então o que vais fazer? Deixa-me adivinhar… quando chegares ao pé do Hunter, vais dar-lhe um “olá” e vais dizer-lhe que é uma coincidência estares aqui?! Acho que já percebeste bem que isso não vai acontecer.
Steve começa a movimentar-se devagar e a tentar não ser visto. Vai aproveitar a discussão deles, para tentar ganhar terreno, até que pisa uns galhos que fazem barulho…
Tom e Jim olham um para outro e olham em volta. Steve começa a correr.
Tom apercebe-se da direção e começa a correr e a disparar a caçadeira.
Jim começa também a correr atrás de Tom e grita:
- TOM, NÃO DISPARES. ESTÁS MALUCO?
- Anda Jim. Vamos fazer uma caçada à moda antiga. – responde a rir-se, enquanto corre.
Na zona da cabana, aproximam-se a alta velocidade carros da polícia. Saem todos dos carros e acabam por trocar tiros, abatendo alguns dos homens de Tom. Alguns feridos da polícia.
Os restantes homens começam a ser perseguidos pela floresta até serem todos presos.
Jim e Tom ouviram as sirenes dos carros da polícia e os tiros que foram disparados.
Steve acaba por tropeçar numa pedra e cai. Em pouco tempo, Tom alcança-o, apontando-lhe de imediato a caçadeira.
- Ah que tragédia, não é Steve Hunter! Ainda bem que te apanho.
Jim surge por detrás de Tom e começam os dois a lutar. Steve volta a levantar-se e começa a tentar fugir, com muita dificuldade.
A polícia continua a percorrer a floresta. No meio da luta entre Jim e Tom, um tiro é disparado da caçadeira e caem os dois.
Tom põe a mão no seu casaco de cabedal que estava sujo de sangue, mas apercebe-se de que o sangue não é seu. Jim tinha sido atingido.
- Jim! Jim! Amigo fala comigo. – disse Tom enquanto rasga um pedaço da sua camisola, para estancar o sangue da ferida de bala que Jim tinha no peito.
Jim agarra-lhe a mão. De lágrimas nos olhos, tosse sangue. Tenta falar mas não consegue. Volta a tossir sangue e acaba por morrer.
Tom fica emocionado. Ainda de mão agarrada a Jim e de olhos inundados de lágrimas, levanta-se e começa a correr. A polícia estava muito perto.
Em pouco tempo a polícia já tinha chegado junto do corpo de Jim e continuavam à procura do Steve e do Tom.
Começam a disparar na direção de Tom. As primeiras balas não o atingem, mas acaba por ser atingido numa perna, caindo de imediato e a polícia algema-o.
Poucos metros à frente encontram Steve bastante debilitado. É levado em braços até um dos carros.
À sua espera estava o responsável de cibersegurança da Hunter Technologies, que tinha desenvolvido um código específico para precaver situações de tentativa de extorsão, que dá a transferência como concluída, simulando todos os passos de sucesso da mesma, mas na realidade ela não chega a concretizar-se e ainda emite um alerta para a polícia. Steve abraça-o, emocionado.
- Obrigada Sam. Se não fosses tu, estaria morto.
- Não tens de agradecer Steve. É a prova de que precisamos de continuar a desenvolver o nosso trabalho e de que estamos no caminho certo.
Chega um novo carro da polícia. De dentro sai o inspector Sebastian Loch e traz com ele a Sarah que quando vê o Steve sentado no carro, com a perna a sangrar, as feridas na cara, vai a correr até ele… como se a vida de ambos dependesse disso. De lágrimas nos olhos, não conseguia conter a sua felicidade em vê-lo de novo. Abraçou-o e beijou-o, naquele que parecia um momento infinito.
Depois do beijo, Steve olha-a nos olhos, acariciando-lhe o rosto e limpando-lhe as lágrimas.
- Sarah… o Jim…
O inspector Sebastian Loch aproxima-se de Sarah e pede-lhe para vir com ele. Ela olha para o Steve, levanta-se e segue o inspector pela floresta até chegarem a um local onde estavam 3 polícias e um corpo tapado.
- Sarah o que lhe vou mostrar não vai ser fácil, mas preciso de si.
- Claro que sim. O que se passa?
O inspector baixa-se para destapar o corpo e quando o destapa, Sarah fica muito transtornada.
- JIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMMM! – gritou ajoelhando-se perante o corpo do amigo.
Enquanto Sarah chorava compulsivamente com a revelação da morte de Jim, o inspector disse-lhe que a polícia acredita que ele estivesse envolvido no desaparecimento do Steve.
- Nããão! Não! Isso não é possível. O Jim jamais faria uma coisa destas. Tem de haver outra explicação.
- Vamos interrogar o outro suspeito e vamos confirmar as nossas suspeitas.
- Só pode haver algum mal-entendido. – continua a afirmar ao inspector, enquanto regressam para onde estavam os carros.
O Steve estava a ser assistido na ambulância e prestes a ser levado do local.
Sarah corre e pergunta se pode ir na ambulância com ele. Dá-lhe as mãos e pergunta-lhe:
- O Jim esteve envolvido nisto?
- É melhor sentares-te Sarah. - responde Steve.
Sarah senta-se e olha para Steve, como se ele fosse dizer a coisa mais difícil de sempre.
- Diz-me. Por favor, conta-me tudo!
- Quando o maluco veio atrás de mim, a correr pela floresta com a caçadeira na mão, tive de me esconder. Foi nessa altura que ouvi duas vozes. A segunda voz, pareceu-me tão familiar que eu nem queria acreditar. Tinha de ter a certeza que era o Jim. Espreitei e confirmei que era ele. Eles já se conheciam e pareceu-me ouvir que o Jim orquestrou tudo isto, mas… há uma coisa que eu não percebo Sarah. Se foi ele que combinou isto, porque razão salvou-me? Porque lutou com o amigo e salvou-me?
Sarah lembrou-se do que se tinha passado em casa dela. Do que ele lhe tinha dito. De tudo. Se para ela não fazia sentido ele estar metido nesta situação, fazia todo o sentido ele ter salvo o Steve. O seu coração batia a dois tempos. A sua cabeça viajou. O seu amigo tinha-se sacrificado pela felicidade dela e essa sim, tinha sido a grande prova de amor de Jim.
Fim da 1ª parte.
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