Medo da felicidade (Dia 2)

Dia 2

Ontem, depois do exorcismo, também conhecido por banho para os comuns mortais, tomei um calmante e fui dormir. Remédio santo. Dormi a noite toda.
O despertador toca todos os dias às 7 da manhã e todos os dias, dou 20 voltas na cama antes de me levantar. Normalmente, é o Jeff Buckley que me tira da cama e hoje não foi exceção. Ao som da “Morning Theft”, levantei-me, ainda dormente do vinho e do desgosto.
Vou ao roupeiro e tenho um vestidinho preto, bem descomprometido, descomplicado e é mesmo este que vou vestir hoje. Não me apetece perder muito tempo com isto. Um rímel e um batom suave. O cabelo vai apanhado. Agarro na mala, nas chaves do carro e nas chaves de casa e vamos embora.
No elevador encontro a querida Sra. Petterson, sempre a cheirar intensamente a rosas e sempre sorridente. Levanto os óculos escuros e forço um sorriso, para não parecer mal educada.
- Bom dia, minha querida. Como vai?
- Estou bem Sra. Petterson e a Sra.? Como está a sua perna? Sente-se melhor?
- Estou melhor sim. O médico disse-me que a operação correu lindamente e só volto à consulta daqui a um mês.
- Fico muito feliz. As suas melhoras. Até mais logo. – Saio a correr do elevador, antes que tenha de falar em mais doenças.
Volto a pôr os óculos escuros e passo pela montra do Jim, em corrida até ao carro.
- SARAH! SARAAAAAH!!!
Não acredito! É o Jim a chamar-me. O que é que faço? Finjo que não o ouvi e entro no carro?
- Sarah, o que é que se passa contigo?
O Jim correu até mim e não tive tempo para nada. Tirei os óculos e esbocei um sorriso. Parecia um dejà vu.
- Não ouviste chamar-te? Que cara é essa? Estás com olheiras. Não dormiste?
- Hey, acalma-te Jim. Ainda é muito cedo para brincarmos aos polícias ok? Já agora, obrigadíssimo, por estares a dizer-me que estou com um ar acabado. Bom dia, também para ti!
- Deixa-te de dramatismos. Eu quero saber, porque é que não vens ter comigo há uma semana e porque é que tenho o Steve a perguntar-me por ti todos os dias… várias vezes ao dia.
- Jim, estou sem tempo para esta conversa. Já estou atrasada para o trabalho e as coisas não estão bem, portanto não me posso dar ao luxo de chegar atrasada. Podemos falar logo, ao final do dia?
- Ok! Vou ficar à tua espera. Se não apareceres, eu vou a tua casa.
Dou-lhe um beijo na cara, entro no carro e ponho-me a caminho do trabalho.
Quando chego, dos dois elevadores disponíveis, um está em manutenção e outro está a parar em todos os pisos, enquanto desce.
Ninguém merece! Se não trabalhasse no 32ª piso, ía de escadas e na realidade, depois da pizza de ontem, era o que devia fazer, mas quando chegasse lá cima, atirava-me ao chão.
Entretanto, aparece a nova promessa da equipa, a Michelle. Se ela não fosse estupidamente simpática, conseguia odiá-la, mas é praticamente impossível.
- Bom dia alegria! – grita a Michelle, mal me vê junto ao elevador.
- Bom dia Michelle! Desculpa, mas ainda não bebi café, logo não consigo estar com essa disposição. Ainda por cima, estou atrasada e este elevador está a parar em todos os pisos. Estou com os nervos à flor da pele.
- Calma, ok?! Quando chegarmos lá cima, vais para a tua secretária e eu levo-te um café, combinado?
- Tu não existes, pois não Michelle? – digo-lhe, enquanto penso que posso estar a perder o meu emprego para ela, mas que realmente, é tão boa pessoa que não consigo não gostar dela.
- Sarah, os amigos servem para isso mesmo. Vamos! Já temos elevador.
Lá fomos as duas até ao piso 32. Com os olhares de lado, por estarmos a chegar atrasadas, fomos para as nossas secretárias. A Michelle, passados 5 minutos trouxe-me o café, como prometido.
- Este café, sabe-me pela Vida. Obrigada Michelle! Tenho que estar bem acordada. Hoje tenho reunião às 11:30h e não se avizinham coisas boas.
- Confia em ti Sarah! Estás a passar uma fase complicada, mas eras a melhor e uma fonte de inspiração para todos nós. É só uma fase.
- Obrigada pela força. Até já!
Agarro no telefone e contacto todos os meus clientes, à procura de encontrar o negócio que me vai salvar.
A reunião que vou ter às 11:30h, vai ser diária nos próximos 15 dias, para dar um ponto de situação acerca do meu trabalho. Ainda nos dizem que não há pressão…
Acabo de receber três notificações de mensagem. Duas do Jim e uma do Steve.
Até tenho medo de ver a do Steve. Provavelmente, a dizer que nunca mais me quer ver.
As duas mensagens do Jim, dizem exatamente a mesma coisa. “Liga ao Steve. Hoje, sem falta!”.
A reunião de hoje foi para salientar mais uma vez que, é imperativo que feche um negócio para permanecer na empresa. Apesar de tudo, a diretora até teve um discurso motivacional.
Depois da reunião, fui fechar-me na casa de banho, para ganhar fôlego e coragem, para ler a mensagem do Steve.
Depois de quinze minutos de muita hesitação, abri a mensagem e li-a… duas vezes.
“Sarah, estou a tentar falar contigo há uma semana. Já não sei o que fazer. Já pensei em ir a tua casa, mas sei que irias reagir mal. Quero estar contigo! Sei que sentiste o mesmo que eu naquele beijo. Diz-me alguma coisa, senão vou assumir que não me queres na tua Vida e respeitar a tua decisão.”.
Respiro fundo, enquanto me escorrem as lágrimas pelo rosto.
Qualquer amiga minha, nesta situação, já estaria numa relação com o Steve. Para mim, é um drama sem explicação. Talvez precise de terapia! É isso! TERAPIA!
Acabou-se a choradeira! Respiro fundo novamente e saio da casa de banho.
Fui almoçar e no regresso ligo ao Jim.
- Sarah!!! Morreu alguém? Não íamos estar juntos mais logo, para falarmos?
- Jim, o Steve enviou-me uma mensagem… Parece um ultimato e tu sabes o que é que eu sinto em relação a ultimatos, não sabes?
- Sarah, quando é que cresces? A vida não gira à tua volta! Mas que porra!!!
O Steve tem vindo ao café todos os dias, na esperança de te encontrar e tu, como grande cobarde que és, não apareceste nenhum dia e ainda por cima, não lhe respondes às mensagens e não lhe atendes as chamadas. Foi tudo bonito. Cor de rosa. Purpurinas. Agora que esbarraste com alguém que realmente te merece, foges a sete pés? Estás a tornar-te na pessoa que mais odeias.
- Ui! Vais mesmo continuar a conversa por esse caminho? Se sim, vou desligar o telefone.
- Já não me surpreendia!!! – diz-me o Jim, num tom notoriamente irritado.
- O que achas que devo fazer?
- Sarah, sê mulher! Admite os teus sentimentos e sê feliz. Sê feliz, pela primeira vez, na porra da tua Vida!!!
- OK!!! Já sei o que vou fazer! Foste um bocado bruto nesta conversa, nem pareces tu.
- Desculpa, mas estavas a precisar. Faz o que tens de fazer. Estarei cá para o que precisares.
- Obrigada! – disse-lhe, antes de desligar a chamada.
Meti-me no elevador e fui até ao terraço do prédio. 
Uma das melhores vistas sobre Nova Iorque.
É aqui que venho, quando preciso de organizar as ideias.
Abro as mensagens para responder ao Steve.
Fecho. 
Olho a cidade que, não pára nem por um segundo. Vejo tudo minúsculo lá em baixo. Parecem formigas, vistos daqui. 
Tudo tão pequeno e eu, a transformar algo que podia ser tão simples, em algo tão complexo, que me consome, me tira o sono e me deixa inquieta.
Abro as mensagens para responder ao Steve. Releio a mensagem dele. 
Olho o infinito por dois minutos. Respiro fundo.
“Olá Steve, sei que te devo uma explicação. Amanhã queres jantar em minha casa, às 20:30h? Falamos com calma.”
Mensagem enviada com sucesso.
Fez-se silêncio em Nova Iorque. Não se ouvia nem o soprar do vento.
No meu peito a galope, o coração. Na minha cabeça, a recordação da música que ouvi no restaurante ao almoço e que curiosamente encaixa bem neste momento, “Damn I Wish I Was Your Lover” da Sophie B. Hawkins.

(continua) 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

3º Calhau a Contar do Sol

X - Acto

A história mais linda...